domingo, 1 de julho de 2012

Aos meus 36 seguidores: faz muito tempo que eu não apareço por aqui, atualizo meu perfil, posto novas fotos, etc, etc. Talvez agora que tenha voltado a este espaço, as coisas mudem um pouco. Posto aqui um texto escrito há muitos anos, sob o pseudônimo de Arthur Bandeira e publicado em um jornal do interior de Minas Gerais. Para começar, acho que está bom, um ponto significativo no reinício desse blog (que, aliás, eu nem sabia que estava de cara nova, sabe-se lá o que isso quer dizer. Por enquanto, fica o conto abaixo e um recado para vocês: olá, voltei.
Abraços.


CADÊ 89?



Arthur Bandeira (um grande a amigo meu)


"Lucas, pega para mim o álbum de fotografias lá no quarto de cima", foi a única coisa que pude ouvir em meio aos acordes do pagode louco no rádio, volume no toco, diriam alguns saudosistas. Subi indignado as escadas, pisando duro, ora se ela queria ver as fotos, por que não ia ela mesma buscá-las? Lúcia era assim mesmo, ensimesmada. Estou sentindo a falta de alguma coisa, ainda não sei ao certo o que é, disse ao me ver na sala. E pra quê o álbum de fotos, pensei eu, mas só pensei, certas coisas não precisam ser ditas, pelo menos em algumas ocasiões, basta-nos pensá-las, ruminá-las, digeri-las, falar para dentro.

Sentei-me ao seu lado, cúmplice da ridícula aventura. Ela abriu as folhas e passou-as uma a uma, devagar, procurando algo, detalhes ocultos em alguma foto, imaginei eu.

- É isso, não está mais aqui, disse ao final de mais de uma hora de busca, semblante carregado, preocupada. O que não está mais aqui, questionei, já demonstrando impaciência.

- 89, 89 não está mais, se foi; pior, é como se nunca houvesse existido.

- 89? Que 89, assustei-me. "O ano", respondeu ela. Não segurei o "não seja besta, mulher".

- Veja você mesmo, não há mais 89, nenhuma foto, nenhuma referência, nenhuma lembrança a não ser nós mesmos aqui pensando, procurando e não encontrando o que havia da vida há muito pouco tempo. Você lembra, o casamento da Aninha, o aniversário do Paulo, a viagem a Curitiba, nada mais está aí, foi embora, ou nunca houve, sei lá. Ela tinha razão, não encontrei nada que carregasse em si a imagem daquele ano.

Minha impaciência transformou-se em incredulidade e depois em decepção. Suava por todos os poros. Havíamos perdido 89. Mas como? Quem o havia nos arrancado? Quem cegara nossos olhos? Quem apagara nossas realidades? E nossas verdades? E todas as nossas vidas? O que seria de nós sem aquele ano para nos enriquecer de experiências, vivências, ódios, amores, paixões, rancores, sonhos, alegrias, frustrações, dores, mágoas? Por que razão algum tirano haveria de amputar nosso passado. Para esconder o quê de nós?

Lúcia ligou para Sueli, Rita, Sérgio, Sandra: todos confirmaram em uníssono que 89 havia sido suprimido, mas acharam a coisa mais natural do mundo. Lúcia, prática, ligou para as emissoras de rádio, ninguém nos dava ouvidos. As tevês, sensacionalistas, não se interessaram pela matéria; nenhuma revista, jornal algum, ninguém se comovia com a perda de parte do passado de todos.

Pouco depois das dez, resolvi consultar o noticiário da tevê. Lúcia, num gesto brusco, tomou o controle de minha mão e atirou-o contra a parede, estilhaçando-o como haviam feito conosco.

- Esqueça, não perderemos mais nada, porque não procuraremos mais nada. Ficaremos os dois aqui, sós, cada um contando ao outro o que aconteceu naquele ano. Depois contaremos aos vizinhos, aos moradores do quarteirão, do bairro, da cidade, e cada um falará a outro daquele ano, até que tenhamos reconstruído o que apagaram, tomaram, roubaram de nós.

Assim fazemos até hoje.

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